No Dia Internacional dos Direitos Humanos, coincidentemente o dia em que a governadora Roseana Sarney renunciou ao cargo, confira a matéria da mais recente edição do Jornal Vias de Fato, que conta como o boicote à criação da Reserva Extrativista do Tauá-Mirim e o apoio do Governo a empresas sem nenhum compromisso socioambiental (a não ser na propaganda) também violam a pauta dos Direitos Humanos no Maranhão.
Maranhão urgente!
Governo do Estado e empresas boicotam importante reserva
ambiental de São Luís
Uma recente audiência pública realizada na Assembleia do Maranhão discutiu a violência praticada contra a comunidade do Cajueiro, na zona rural de São Luís, próximo ao Itaqui. O Governo do Estado
e empresários envolvidos no caso não compareceram a esta audiência. Diante disso, as comunidades presentes deixaram a Assembleia e foram ocupar a Secretaria de Indústria e Comércio.
Cajueiro está na área da Reserva Extrativista do Tauá-Mirim, uma necessidade da Ilha de São Luís, que nunca foi criada por depender exatamente do governo do Maranhão, que criminosamente segue boicotando a reserva.
A expectativa agora é de como se comportará o governo de Flávio Dino diante desta grave questão sócio ambiental. A anunciada mudança começara garantindo a vida de muitos ou o lucro de poucos?
A jogada ensaiada entre Governo do Maranhão e grandes
empresas, que atropela e mata comunidades do campo e da periferia das cidades,
povos tradicionais, indígenas e quilombolas está atrás de uma próxima vítima na
área do Porto do Itaqui, na Ilha de São Luís: dessa vez, quem está na mira é a
comunidade do Cajueiro, que pode ser mais uma a desaparecer do mapa caso os
intentos da empresa WPR – na verdade uma empresa de fachada constituída apenas
com a finalidade de construir um grande porto de escoamento da produção da
Suzano Papel e Celulose, da Petrobrás e da soja que devasta o sul do Estado –
sejam concretizados. Para isso, a WPR, que tem por trás a gigante da engenharia
WTorre, conta com o empenho e determinação de órgãos estaduais como as
secretarias de Meio Ambiente (Sema) e de Desenvolvimento, Indústria e Comércio
(Sedinc).
A Sema vem jogando pesado para liberar as licenças
ambientais, mesmo que de forma completamente irregular, sem respeitar e sem
ouvir a comunidade, com ações que beiram (isso se já não houverem cruzado o
limite) a improbidade administrativa. É o que que suspeita a Promotoria
Agrária, que inclusive já entrou com ação na justiça questionando a forma
violenta com que a WPR se impõe na comunidade do Cajueiro: a empresa colocou no
local uma equipe de segurança contratada da firma Leões Dourados que, segundo
apuração da Delegacia Agrária, teve seu registro de atuação cassado pela
Polícia Federal. Os seguranças da Leões Dourados passaram então a atormentar os
moradores, cerceando o direito de ir e vir, colocando cancelas e portões,
barrando o acesso de pescadores às suas áreas de trabalho, “fichando” os
moradores, entre outras atitudes criminosas. As condutas somente cessaram
depois do protesto da comunidade, bloqueando a BR 135. O promotor Haroldo
Brito, em Audiência Pública realizada pela comunidade, afirmou serem fortes os
indícios de crimes cometidos pela empresa, bem como robustas as suspeitas de
práticas de improbidade administrativa pela Secretaria de Meio Ambiente.
Além da Promotoria Agrária, tramita na justiça maranhense
outra ação, impetrada pela Defensoria Pública do Estado, cujo objetivo é barrar
o licenciamento irregular pretendido pela Sema com a clara intenção de que o
empreendimento seja tocado a todo custo. O defensor Alberto Tavares obteve
êxito na primeira instância, com a suspensão liminar do licenciamento, mas
decisão no Tribunal de Justiça liberou a empresa para prosseguir. A defensoria
anunciou que recorrerá.
As ações da Sema, referendando a atuação da WPR têm lá sua
razão de ser. A ainda governadora Roseana, em 2010, recebeu dinheiro da Suzano
para sua campanha à reeleição. Agora em 2014 não foi diferente: o ex-secretário
da pasta, Victor Mendes, também foi agraciado pela empresa com verba de
campanha. A Wtorre, por sua vez, garantiu uma gorda verba para a campanha da
oposição. Assim, as empresas procuram assegurar seus interesses em qualquer
cenário da política local, seja no continuísmo, seja com a tão propalada “mudança”.
Em reunião com membros da comunidade, o futuro secretário de Articulação
Política tratou de garantir que o novo governo assegurará nova forma de cuidar
dessas questões, ouvindo os verdadeiros interessados, o que incluiria as comunidades.
É o que estas não apenas esperam, como já trataram de assegurar, demonstrando
firmeza e resistência desde já, como nas audiências que vêm realizando no
próprio Cajueiro, com a participação de diversos órgãos (Defensoria Pública,
Delegacia Agrária, Ministério Público, Prefeitura, Câmara, Assembleia, Comissão
Pastoral da Terra, pesquisadores da UFMA, CSP Conlutas, entre outras
instituições) ou participando de outras, como a chamada pelo deputado Bira do
Pindaré, e que aconteceu na Assembleia Legislativa, sem que a WPR tenha se
dignado a participar. Pelo governo, apenas o representante do Iterma (órgão
fundiário) se fez presente, e na sua fala tentou explicar a atuação fundiária
desastrosa do Governo Roseana. Os presentes à Audiência na Assembleia constataram
que havia funcionários da Sema no prédio, mas estes não compareceram,
preferindo acompanhar as discussões em gabinetes de parlamentares amigos, como
suspeitaram os representantes das comunidades e movimentos sociais que
participaram do debate. Nesse dia, como não havia nenhuma autoridade do
Executivo que pudesse falar o porquê de uma atuação tão descolada do interesse
público, as comunidades resolveram se dirigir até a sede administrativa do
Governo, para ouvir explicações dos representantes da Secretaria de
Desenvolvimento, Indústria e Comércio, órgão que é central nessa discussão: a
Sema apenas faz o “jogo” sujo, já que é a Sedinc que, defendendo descaradamente
as empresas, atua para transformar toda a área rural de São Luís nas
proximidades do Itaqui num grande polo industrial, o que poderá, além de fazer
desaparecer dezenas de comunidades centenárias da Ilha, gerar um nível de
poluição que pode comprometer de modo irreversível não apenas os modos de vida
que elas representam, mas o equilíbrio ecológico da capital maranhense.

Em 2010, Roseana Sarney teve entre seus financiadores de campanha a empresa Suzano, que tem interesse na criação de um porto dentro da área da reserva de Tauá-Mirim. Agora, em 2014, o ex-secretário de meio ambiente do governo Roseana, Victor Mendes, também recebeu doações de campanha da Suzano. Enquanto isso, a formalização da reserva ambiental é boicotada, causando um enorme prejuízo a todos que vivem na Ilha de São Luís.
Quem não pode com a
formiga não assanha o formigueiro
O que a associação do poder público com megaempreendimentos
não contava era encontrar habitando a Zona Rural da capital comunidades
difíceis de serem dobradas.
Durante a Audiência na Assembleia, participaram, além
destas, as situadas no município contíguo de Paço do Lumiar, constantemente
ameaçadas pelo avanço da especulação imobiliária. Elas então se juntaram para
denunciar a falta de política fundiária consistente na Ilha, o que, muito longe
de ser apenas a falta de uma política pública, representa o modo de atuação por
excelência do governo do Estado, que privilegia suas conexões com o grande
capital em nome do sacrifício do povo.
A população do Cajueiro, ao se ver “no olho do furacão”,
passou a representar um importante polo de resistência a esse tipo de opressão,
e recebeu apoio das demais que sofrem ataques semelhantes. As outras
comunidades, tanto próximas ao Cajueiro como mesmo as de Paço do Lumiar sabem
que, se não lutarem em defesa da vítima da vez, todas elas continuarão expostas
ao extermínio de que estão ameaçadas pelos grandes projetos e por aqueles que
deveriam zelar por sua segurança e garantir sua sobrevivência. Em razão disso,
após a Audiência na Assembleia, elas foram bater na porta do governo, e
conseguiram arrancar, com a ocupação da Sedinc, uma reunião, que ocorre no
final de novembro, na qual espera-se que, pela primeira vez os órgãos estaduais
finalmente tentem ao menos explicar esse tipo de atuação em benefício de grupos
privados.
Estratégia de Resistência:
A Reserva do Tauá-Mirim
Uma estratégia de resistência das comunidades da Zona Rural
II de São Luís é a transformação daquela área em uma reserva ambiental, a
Reserva Extrativista do Tauá-Mirim, o que pode assegurar a tranquilidade de
quem vive e tira seu sustento da manutenção dos mangues, rios, matas, brejos e
nascentes da área.
O Governo do Estado vem se posicionando de modo ofensivo
contra a criação da chamada Resex Tauá-Mrim, negando-se a emitir seu apoio à
criação, a única peça que falta para que o Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade, órgão federal responsável pela criação de
unidades de conservação, conclua esse processo. No Maranhão, além de
Tauá-Mirim, outras quatro Resex aguardam o assentimento de Roseana Sarney para
sua criação. A criação da Resex é estratégica para
impedir que a área seja dizimada pelos empreendimentos e que suas populações
desapareçam, afirmam seus defensores: eles vêm chamando a população a também
participar dessa demanda, acompanhando o assunto e assinando o manifesto que
está na Internet sobre a questão (para acompanhar, basta acessar www.facebook.com/resextaua ou www.cajueiroresiste.blogspot.com).
A proposta de criação da Resex,
idealizada pelas comunidades desde os anos 1990, ganhou força entre os anos de
2004 e 2005, no contexto do malfadado polo siderúrgico que estava previsto para
ser implantado em toda aquela área. As comunidades resistiram e conseguiram afastar
essa. Desde então, a criação da Reserva é vista como uma medida definitiva de
se preservar a área, assegurar os direitos dos moradores ao território, e
contribuir para a preservação ambiental.
É esse tipo de atuação coletiva
temida pelos representantes do Governo, que assim não poderiam mais “leiloar” a
área aos seus parceiros industriais. Um exemplo é da própria WPR, que chegou a achacar
moradores, comprando compulsoriamente suas casas no Cajueiro e demolindo-as em
seguida. Em comunidades em que já foi feita a titulação coletiva da área, como
no Taim, posteriormente o próprio governo tentou trocar os títulos de posse e
uso comum da terra por títulos individuais: assim, ficaria mais fácil fazer o
mesmo esquema também nessas localidades.
Durante a Audiência Popular Audiência realizada no
Cajueiro contra o processo atropelado de construção de um porto privado na
área, o professor Horácio Antunes, do Grupo de Estudos: Desenvolvimento,
Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA/UFMA) afirmou que se a Resex Tauá-Mirim já
estivesse criada, a ameaça pela qual aquela o Cajueiro tem passado não estaria
acontecendo. Ele destacou os obstáculos que o atual Governo do Estado sempre
colocou para a criação dessa importante ferramenta de preservação ambiental e
das comunidades nela inseridas. “Está na hora de a gente entrar firme na luta
pela criação da Reserva”, disse. Para ele, o novo governo deve assumir o
compromisso, e “dizer a que veio, e dar a permissão do Governo do Maranhão para
a criação da Reserva Extrativista do Tauá-Mirim”.
Rosana Mesquita, da comunidade do
Taim (da área de criação da Resex), reforça a importância de se lutar pela
criação da Resex. “Eles (as autoridades) já estão falando em combater a elevação
da temperatura em São Luís (recente estudo realizado pela Universidade Estadual
do Maranhão, apresentado em evento da Secretaria Estadual do Meio Ambiente,
chamou atenção para a elevação da temperatura na Ilha). Como que eles vão
combater a elevação da temperatura trazendo esses empreendimentos para cá?”,
questionou.
Para o advogado Rafael Silva, que acompanha, pela
Comissão Pastoral da Terra, a situação de conflito no Cajueiro, a Resex é a
melhor estratégia para defesa de todas as comunidades do entorno, que estão
sendo gradativamente afetadas, com as pessoas sendo expulsas da região pelas
empresas e pelo governo. “Tem que fortalecer essa luta, que é uma luta coletiva
das comunidades da área da Reserva. Essa precisa ser uma pauta inegociável, que
precisa ser levada para esse novo governo, antes mesmo de ele assumir, porque
eu tenho certeza que esses grupos empresariais já estão indo lá fazer suas
gestões junto ao novo governo. Então, temos que fortalecer essa luta”, afirmou.
A área proposta para a Reserva
abrange os povoados Cajueiro, Limoeiro, Porto Grande, Rio dos Cachorros e Taim;
engloba também parte da Vila Maranhão e a Ilha de Tauá-Mirim, ao sul de São
Luís e na qual localizam-se os povoados Amapá, Embaubal, Jacamim, Portinho e
Tauá-Mirim, além de um amplo espelho d’água, totalizando 16.663,55 hectares e
perímetro de 71,21 km.
Porto no Cajueiro: o Estado defendendo interesse privado em detrimento
de (vários) interesses públicos
Afinal de contas, qual seria o interesse do Maranhão em uma
defesa, por parte do governo, tão incisiva na construção de um porto naquela
área? Afinal, um porto de uma estrutura avalizada em mais de oitocentos milhões
de reais pode afetar seriamente os negócios do Porto do Itaqui, porto público
sobre o qual José Sarney arrota todos os domingos em seu jornal ter sido criado
por ele e ser essa estrutura “fundamental” para o Maranhão.
Saulo Costa, assessor da Comissão Pastoral da Terra,
levantou pontos defendidos pela WPR para fazer o seu porto na praia de
Parnauaçu, na comunidade do Cajueiro. Vale lembrar que a WPR é uma empresa cujo
capital é de apenas dez mil reais, e está tendo total apoio do Estado que, não
questionando sua competência, lança-se de maneira agressiva num empreendimento
milhares de vezes mais caro que aquilo que ela diz valer.
Saulo Costa, analisando o Relatório de Impacto Ambiental no
qual a empresa atesta a viabilidade do empreendimento, disse, durante a
Audiência Popular realizada pela comunidade no Cajueiro: “Nesses documentos, a
empresa assume que há inúmeros impactos para a área, mas que todo esse
sacrifício socioambiental pode ser recompensado com a implantação do projeto,
já que o Terminal Portuário traria desenvolvimento para a região”.
É de se questionar, entretanto, que desenvolvimento seria
esse, bem como a quem ele serviria. Foi o que fez Alberto Cantanhede, o Beto do
Taim, durante a Audiência na Assembleia. Ele foi enfático: “"Porto no Parnauaçu não é interesse do Estado, é privado.
E vai fazer concorrência com o próprio Porto do Itaqui, que é nosso! O que nós precisamos é nos manter unidos. Não é o Estado
negando a Carta de Apoio para a criação da reserva Extrativista do Tauá-Mirim
que nós vamos ficar acomodados. Nós sabemos que a criação da Reserva não
resolve todos os nossos problemas, mas já resolve um deles, que é a questão do
território.
Não estamos solicitando a criação da Reserva
Extrativista do Tauá-Mirim por uma questão de privilégio, mas chamando para nós
a responsabilidade de cuidar daquele patrimônio. Nós sempre tivemos essa
responsabilidade, mas, diante de tantos riscos, é preciso demarcar e
titular", disse Beto.

Audiência realizada em novembro, na Assembleia Legislativa, discutiu a violência bancada pelos aliados da Suzano na área da reserva Extrativista de Tauá-Mirim (na comunidade do Cajueiro). As comunidades estiveram presentes. O governo e as empresas boicotaram.
Questão fundiária: um problema não resolvido pelo Estado com a intenção
de lucrar com o sacrifício alheio
As empresas que pleiteiam se instalar no local contam com
uma lacuna deixada, pelo que parece de modo deliberado, pelo Estado. É que, com
a falta de titulação de comunidades que habitam a área há muito tempo, qualquer
um que chegue e se apresente como proprietário consegue negociar com o Estado e
com as empresas, para quem vendem as áreas com a conivência do Estado,
legitimando papeis emitidos ou reconhecidos em cartório mas que transpiram
suspeitas.
É o caso do Cajueiro, que teria sido titulado pela própria
governadora em 1998, ainda que em 2011 ela mesma mande desapropriar a área, por
“interesse público”, em nome da Suzano. A WPR, por sua vez, alega ter comprado
a área de Carlos Cunha, empresário, sócio da BC3 Multimodal, empresa que atua
na área vendendo terrenos e que, no contrato com a WPR, teria prioridade em
operar o porto a ser construído por esse braço da WTorre. Carlos Cunha aparece
em ações na justiça que versam sobre vendas de terrenos. Numa delas, sua
atuação é classificada por uma compradora como golpe, já que, depois de ter
vendido um lote avaliado em pouco mais de 2 milhões para essa compradora,
tornara a vender a mesma área para uma outra empresa, agora não em seu nome,
mas em nome da BC3 (o comprador seria um grupo espanhol que pretende investir
no Maranhão, segundo informações da Secretaria de Indústria e Comércio). Mesmo
com esses indícios, Carlos Cunha obteve êxito, com extinção do processo, nesse
caso específico, em razão de acordo com a primeira compradora. Os moradores de
várias áreas da Zona Rural relatam casos de grilagem que teriam sido praticados
pelo empresário, que agora teria vendido toda a área do Cajueiro para a WPR.
Como se vê, é uma história no mínimo mal contada e cujo fio
da meada é difícil de se acompanhar, o que não gera nenhum tipo de
questionamento por parte do Estado que, referendando conexões tão controversas,
prefere atropelar comunidades e acreditar, de olhos fechados, num negócio tão
nebuloso, pondo-se a atuar para garantir que seus parceiros não tenham seus
interesses contrariados. Mas mesmo lutando contra agentes tão influentes e
poderosos, as comunidades seguem unidas, lutando para que o capítulo da
História do Maranhão que está sob suas responsabilidades, este sim, não seja
apagado, riscado do mapa, e deixado se der contado aos seus descendentes e a
toda a Ilha de São Luís.