sábado, 8 de novembro de 2014

Cajueiro: comunidade e instituições se reúnem com representante do novo governo

No dia 4 de novembro, foi realizada reunião entre o futuro secretário estadual de Articulação Política e Assuntos Federativos, Márcio Jerry; Sr. Davi, Dona Nicinha, José da Silva (Seu Batata) e Wilson, membros da comunidade do Cajueiro, ameaçada pela possibilidade de construção de um complexo portuário pela empresa WPR na área; vereadora Rose Sales; Padre Clemir, Saulo Costa e Rafael Silva, representantes da Comissão Pastoral da Terra; Saulo Arcangeli, da CSP Conlutas; Beto do Taim - comunidade da área da Reserva Extrativista do Tauá-Mirim; Kátia Barros, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade/ ICMBio, órgão do governo federal; Viviane Vazzi, Bartolomeu Mendonça e Horácio Antunes, do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente/GEDMMA, vinculado aos programas de pós-graduação em Ciências Sociais e em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão.

O objetivo do encontro foi informar sobre a situação do Cajueiro, com as ameaças sofridas desde que "seguranças" colocados pela WPR apareceram no bairro, impondo terror e restringindo o direito de ir e vir dos moradores dentro da própria comunidade. Tudo isso com a cumplicidade dos atuais ocupantes do governo estadual, que chegaram inclusive a forjar uma audiência pública no Comando Geral da Polícia Militar do Estado para que a empresa seguisse com o empreendimento.


O Sr. Davi (presidente da União de Moradores) informou ao futuro secretário (um dos principais nomes do governo que assume a partir de janeiro) que os seguranças da empresa Leões Dourados, embora não desfiram mais ameaças diretas aos moradores, continuam na área, ressaltando que a presença deles prossegue representando uma ameaça. Segundo informações do delegado agrário, Carlos Augusto, a Leões Dourados atua de forma irregular, segundo lhe teria sido informado pela Polícia Federal. O presidente da União de Moradores disse querer saber de Márcio Jerry se o novo governo vai estar nessa luta ao lado do Cajueiro, já que agora está sabendo do que a comunidade tem passado.

Davi, presidente da Associação dos Moradores do Cajueiro, fala sobre as ameaças vividas pela comunidade

O senhor José da Silva, por sua vez, reafirmou ante o secretário o que dissera na Audiência Popular realizada pela comunidade na União de Moradores: que hoje tendo 58 anos, nasceu no Cajueiro, e que o lugar se encontra ameaçado.
Segundo ele, todos os povoados da região estão na mesma situação de insegurança. "O foco no momento é o Cajueiro, onde apareceu esse cidadão (que teria vendido a área para a WPR) que andava com seguranças, negociando e riscando as casas (marcando-as). Na minha, botaram o número '45'. Entravam e fotografavam os quintais. Entravam achando que ali só tem bobo e analfabeto. Passaram tempos chegando lá de helicóptero, de onde filmavam tudo. E agora chegaram lá expulsando os moradores de suas próprias casas. Depois ameaçaram, com mais de 40 homens, e com arma de fogo. Com nossa manifestação obstruindo a BR, a Polícia Federal foi e prendeu 4 dos que estavam lá, com facões e armas de fogo. Esse cidadão chegou dizendo que estava no direito dele, mas os donos somos nós, que nascemos lá. (Foi) uma falta de respeito", desabafou.

Beto do Taim: "A situação lá é política"
Para Beto do Taim, "a situação lá é muito mais política". Ele explicou: "Temos um título de posse, de 1998, dado pelo Estado. Alguns não passaram pelo cartório. Na nossa comunidade do Taim tivemos esse cuidado. Aí, quando chega em 2011, o mesmo governo que nos deu o título manda desapropriar a terra (em benefício da Suzano Papel e Celulose). A Unidade de Conservação da Resex do Tauá-Mirim, no nosso ponto de vista, resolveria essa parte da questão. Me parece que é isso que as pessoas que estão hoje no Governo do Estado estão querendo evitar", explicou.

Beto disse ainda que a criação da Resex está justamente parada em razão de uma carta: não há exatamente uma lei, mas uma determinação do Governo Federal de que sejam ouvidos os governos dos estados onde há áreas de reservas ambientais em vias de criação. E o Governo do Estado, até agora, vem emitindo sinais de que não pretender ver a Resex criada, tendo inclusive manifestado isso em correspondência ao Executivo Federal.

Beto fez um apelo para que o governo que assumirá a partir do ano que vem resolva a situação, e dê tranquilidade às famílias que habitam e vivem da área de criação da Resex do Tauá-Mirim.

Segundo ele, uma das preocupações - que inclusive ganharam destaque este ano em razão da crise no estado de São Paulo - recaem sobre os recursos hídricos, abundantes na região, e que estão vulneráveis com o avanço desmedido dos grandes projetos na área, sem controle algum (o discurso do desenvolvimento é acionado nesse momento, bem como o da geração de empregos, que não se confirmam no momento posterior à implantação dos projetos, pelo menos não na mesma quantidade e qualidade com as quais são anunciados). Beto solicitou que o novo governador, ao assumir, manifeste ao Governo Federal sua concordância com a criação da Reserva.

A liderança comunitária destacou ainda contrariedade com o discurso oficial acionado para justificar o avanço de empreendimentos poluentes na região e o consequente deslocamento de populações da área: "Não é que na região não haja um setor econômico. Lá tem economia, mas precisamos que seja dada tranquilidade, até para podermos nos organizar, o que pode ser feito com a criação da Reserva". Ele destacou várias possibilidades que a criação da Unidade de Conservação pode proporcionar para seus habitantes, como o acesso a linhas de crédito para o fomento da pesca e da agricultura desenvolvidas pelas comunidades.

O que está dito e o que não está dito no projeto do porto da WPR no Cajueiro

Durante a reunião com o futuro secretário de Articulação Política, Saulo Costa, da CPT, destacou a série de dificuldades acionadas pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente para não atender ao requisito da transparência, que devia ser um imperativo nesse caso: o fato de se realizar uma audiência pública na Polícia; e os obstáculos para se conseguir acesso às informações sobre o caso, com as várias idas de instituições como a CPT e de membros da comunidade à Sema para que se pudesse obter detalhes sobre o projeto e seus reais impactos, que deveriam ser públicos.

Segundo Saulo Costa, uma das omissões diz respeito ao que se refere realmente o empreendimento e que não consta nos relatórios e estudos de impactos ambientais (EIA/RIMA): "O projeto em questão se refere a porto e retroporto (área próxima ao local de operação pelo empreendimento, que também é afetada e utilizada por este). No EIA/RIMA consta como se fosse um único empreendimento mas, quando você vai ver, são dois (porto, retroporto). Eles não podem, de maneira alguma, ludibriar a sociedade", disse.

Saulo anotou ainda que seriam basicamente três tipos de commodities previstas para serem movimentadas no pretendido terminal portuário: celulose (que atende à empresa Suzano), combustíveis (Petrobras e possivelmente a refinaria do Maranhão, se algum dia ficar pronta), e grãos (atendendo a empresas do agronegócio, como a Bunge). Segundo ele, esses produtos podem ter vazão por outros portos já existentes, como é o caso do Itaqui. Portanto, insistir num empreendimento social e ambientalmente nocivo, pode ainda contribuir para enfraquecer o principal porto público do Estado, em favor de um empreendimento privado.

Ele destacou também outra questão que não aparece no EIA/RIMA, que diz respeito ao assoreamento do mar na região, cuja dimensão da dragagem e do impacto que iria causar não aparece como deveria nos relatórios. "O que a gente quer colocar para o novo governo é: afinal de contas, para quem é esse porto? Um porto privado, que vai atender ao capital privado, de forma unilateral. O Porto do Itaqui perde investimentos com a construção de um porto privado, além dos impactos que ameaçam as comunidades".
Saulo Costa lembrou ainda a ameaça representada ao Terreiro do Egito, um dos primeiros locais de culto afro no Maranhão, que pode sofrer impacto direto e irreversível com o empreendimento, afetando assim parte da História maranhense. "O EIA/RIMA em nenhum momento coloca isso. Não coloca essas questões para a sociedade: é interessante para o Estado? Por que essa pressa, afinal?".

Decisão judicial favorável à comunidade: um passo à frente na luta
Horácio Antunes, do GEDMMA, também chamou atenção para a série de medidas apressadas tomadas pela empresa e pela Sema e à série de ações de resistência a que a comunidade teve de realizar. Para ele, a impressão que fica com esses atos atropelados da Secretaria de Estado e do empreendedor é que o projeto tem de sair de qualquer jeito.
Horácio citou ainda a concessão da liminar na justiça suspendendo o licenciamento ambiental e o avanço do projeto. A decisão judicial favorável à comunidade foi solicitada pela Defensoria Pública do Estado.

Além da decisão judicial, reconhecimento da área como pertencente à Reserva Extrativista do Tauá-Mirim foi mais um avanço na luta da comunidade
O advogado Rafael Silva, por sua vez, destacou o ato público realizado pela comunidade em frente à Secretaria do Meio Ambiente, na tarde da segunda-feira, dia 3 de novembro, quando os moradores foram entregar requerimento solicitando a suspensão do licenciamento.
Vendo que a comunidade estava determinada a ser atendida, o secretário-adjunto deu sua palavra que, se ficasse comprovado que a área estava dentro do território previsto para a criação da Resex Tauá-Mirim, suspenderia o licenciamento. Segundo os presentes, o adjunto da Sema tinha plena convicção de que a área pretendida pela WPR não fazia parte da área da Resex. Ele não contava, entretanto, que a comunidade tinha como provar o que estava afirmando (que a área pertence ao território da Resex e que por isso não pode, segundo decisão da Justiça Federal, ser objeto de empreendimentos que lhe causem grandes impactos): o ICMBio já havia emitido laudo segundo o qual a área afetada pelo projeto está sobreposta à área da Resex. O laudo, inclusive, já fora apresentado à Procuradoria da República no Maranhão, para que acompanhe o caso.

Rafael Silva ressaltou que todo esse caso demonstra como o Estado atuou, através das secretarias de Meio Ambiente e de Indústria e Comércio, segundo os interesses de um empreendimento privado, mesmo quando esses se chocaram de modo grave contra o interesse público, chegando a ser cúmplice das tentativas de coação e de fragmentação de uma comunidade. O que transparece, no caso, é uma cultura consolidada de a Secretaria de Meio Ambiente ser subordinada aos projetos de interesse da Secretaria de Indústria e Comércio. "Isso é uma coisa que a nova gestão precisa demarcar: uma diferença muito clara em relação a esse modelo. É importante para  Estado que a Sema tenha a importância que merece, e que não tem tido atualmente. Precisamos saber, com maior clareza, qual o entendimento do governador Flávio Dino sobre a Resex e sobre o licenciamento desse projeto. Estamos numa situação de insegurança em relação a essas questões, e por isso queremos abrir o diálogo com o novo governo", disse.

Rafael Silva: Precisamos saber, com maior clareza, qual o entendimento do governador Flávio Dino sobre a Resex e sobre o licenciamento desse projeto

Kátia Barros, do CNPT, órgão do Governo Federal que atua junto às comunidades tradicionais: "A Resex de Tauá-Mirim é uma estratégia das comunidades para a defesa da região"

A coordenadora do CNPT (Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Sociobiodiverdidade) fez um histórico do processo de criação da Resex, proposta que aguarda, até hoje, pela decisão dos governos estadual e federal. Segundo ela, é sabido que o governo estadual tem interesses na área, mas esses não podem se contrapor aos interesses das comunidades que lá habitam há muito tempo.
Ela informou que o perímetro destinado à criação da Resex já foi negociado pelos ministérios do Meio Ambiente e das Minas e Energia, juntamente com as comunidade e o Governo do Estado. Ela reafirmou a sobreposição do projeto da WPR em relação à Reserva.
Kátia informou ainda que a informação sobre a sobreposição de área somente foi solicitada pela Sema ao ICMBio duas horas antes do início da audiência realizada na Polícia.
Ela confirmou as informações dadas por Saulo Costa, de que o EIA/RIMA do empreendimento realmente não faz uma avaliação profunda de impacto sobre o ecossistema, chamando atenção para a questão do Terreiro do Egito, cuja história remonta a 1820, e que pode ser drasticamente afetado caso tudo seja aprovado da forma que está. Segundo ela, essa é uma questão que passa pela problemática fundiária no local.

Kátia Barros: a Resex é uma demanda das comunidades para defender seus territórios

Sobre a questão fundiária, Padre Clemir, da CPT, lembrou que pelo terceiro ano consecutivo o Maranhão lidera o número de conflitos no campo no Brasil, com destaque para o emprego de milícia armada pelos pretensos donos das áreas ocupadas por camponeses e populações tradicionais em geral. "A expectativa é que o governo que chega tenha outra postura, porque o que hoje é visto é o Estado usando o próprio Estado (polícia e justiça) contra as pessoas", disse Padre Clemir.

AUDIÊNCIA - O Padre Clemir destacou a importância da Audiência Pública que acontecerá dia 19 de novembro, a partir das 14h30, na Assembleia Legislativa do Maranhão, para tratar da questão do Cajueiro e os ataques sofridos pela comunidade, bem como, consequentemente, da importância da Resex de Tauá-Mirim.

Sobre a referida audiência, a vereadora Rose Sales falou da importância de participação das pastas que serão decisórias nesse processo, solicitando que o futuro secretário solicite aos demais membros já anunciados do novo governo que estejam presentes (entre estes, o secretário de Portos, o de Direitos Humanos e Participação Popular, bem como os que vierem a ser confirmados, como Meio Ambiente, Indústria e Comércio, Cidades, e de órgãos estaduais como Iterma - Instituto de Terras - e o presidente do Porto do Itaqui, entre outros).

Por uma política portuária que privilegie o interesse público
Bartolomeu Mendonça destacou que somente após a forçada audiência pública na Polícia soube-se que, por trás da WPR, estava a gigante WTorre, empresa nacional do ramo de engenharia.
Segundo ele, é importante pensar a política portuária do Maranhão, que vem pretendendo privilegiar portos privados, como acontece agora no caso WPR versus Comunidade do Cajueiro.
Para ele, o novo governo tem a oportunidade de corrigir uma injustiça histórica dando atenção aos portos comunitários existentes na região e apoiando a criação da Resex do Tauá-Mirim, que vem sendo debatida pelas comunidades desde 1996.

Sobre a criação da Reserva, Saulo Arcangeli, da CSP Conlutas, disse que aguarda a participação do futuro governo na Audiência Pública a ser realizada na Assembleia Legislativa. Ele afirmou que a Central Sindical e Popular vai cobrar do novo governo um posicionamento sobre a Reserva que, em seu entender, é um importante instrumento para tirar as comunidades da área de uma posição defensiva em relação aos ataques que sofrem constantemente.

Como uma empresa cujo capital é de dez mil reais pretende construir um porto avaliado em 840 milhões?
Os participantes da reunião comunicaram ainda a Márcio Jerry que estranham o fato de o capital social da WPR ser de dez mil reais, incompatível com a construção de um empreendimento dessa dimensão, avaliado em mais de oitocentos milhões de reais.

Outra preocupação apontada pelos presentes à reunião foi em relação às constantes ameaças de deslocamento populacional, o que impactaria de forma direta também as periferias urbanas de São Luís, que já padecem de falta de estrutura. Vivem na área cerca de quinze mil pessoas, constantemente ameaçadas de expulsão pelos empreendimentos públicos e privados que avançam sobre a região.


Primeiras palavras do governo eleito sobre a situação do Cajueiro e sobre a criação da Resex

O futuro secretário agradeceu a oportunidade de tomar conhecimento das questões levantadas pelos presentes. Ele avaliou que, no momento, não tinha como dar resposta definitiva sobre os assuntos abordados, mas que seriam levados para o governador eleito avaliar.
Jerry disse ser impossível garantir que conflitos não venham continuar a existir, mas que o compromisso do novo governo é de uma mudança de atitude em relação a eles. "Há que se garantir e preservar direitos. É o que se vai buscar fazer", assegurou.

Márcio Jerry: direitos serão respeitados

O futuro secretário do Governo Dino disse que são importantes as garantias pelas quais a comunidade procurou se cercar, com mobilização dos moradores em torno do assunto, a busca do diálogo, como estava acontecendo com essa reunião, e os instrumentos de proteção legal, como a decisão conseguida pela Defensoria Pública em favor da comunidade.

A reunião encerrou-se com o secretário reafirmando a disposição para o diálogo, o que, segundo ele, demarca uma diferença em relação ao governo atual. Para Márcio Jerry, a questão será levada ao governador eleito, e a postura adotada será diferente, no sentido de se procurar preservar direitos e de não se privilegiar um interlocutor em detrimento de outros: "A postura do governador, posso dizer, será a de preservar e respeitar direitos, sem assimetria de atuação do Estado, sem privilégio a uns interlocutores, deixando outros de lado", afirmou.


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