Vitória da luta do Cajueiro e das comunidades da área da Resex de Tauá-Mirim!
Nesta terça-feira, dia 4 de novembro, saiu a liminar da justiça, emitida pela Vara de Interesses Difusos e Coletivos que, atendendo a solicitação da Defensoria Pública, na pessoa do defensor Alberto Tavares, suspendeu o pretendido licenciamento ambiental para a construção do porto da WPR na área do Cajueiro.
A comunidade vem lutando intensamente contra as irregularidades no processo de licenciamento, e contra todas as investidas violentas da empresa, sob o silêncio do cúmplice do atual governo do Estado.
Ainda na segunda-feira, após intensa mobilização na sede da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, a comunidade conseguiu entrar com pedido, naquela secretaria, para suspensão do processo de licenciamento. Na ocasião, foi entregue ao secretário-adjunto documento emitido pelo ICMBio, órgão do governo federal, comprovando que boa parte da área pretendida pela WPR fica dentro da área em que se pleiteia a criação da Reserva Extrativista do Tauá-Mirim. Decisão da Justiça Federal já havia determinado que todo empreendimento planejado para a área da Resex Tauá-Mirim não pode avançar sem que antes se chegue a uma decisão sobre a Reserva.
Já na terça, outro pedido de suspensão, esse feito pela Defensoria Pública diretamente na justiça, obteve sucesso, com a concessão da liminar, bastante fundamentada.
Veja, na íntegra, a decisão do juiz Douglas de Melo Martins:
AÇÃO CAUTELAR 46221-97.2014.8.10.0001 (494772014)
REQUERENTE: DEFENSORIA
PÚBLICA DO ESTADO DO MARANHÃO
DEFENSOR: Alberto Guilherme Tavares de
Araújo e Silva
REQUERIDO 1: ESTADO DO MARANHÃO Endereço Av. Euclides
Figueiredo, s/n, Ed. Nagib Haickel, 3º andar, Calhau
REQUERIDO 2: WPR
SÃO LUÍS GESTÃO DE PORTOS E TERMINAIS LTDA
ADVOGADO MA8372 - Adolfo
Silva Fonseca
DECISÃO CONCESSIVA DE MEDIDA LIMINAR RELATÓRIO
Trata-se de
pedido de liminar formulado por DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO
MARANHÃO contra ESTADO DO MARANHÃO no qual requer seja determinado ao
requerido que: i) Abstenha-se de dar seguimento ao processo
licenciatório do Terminal Portuário de São Luís - WPR (Processo SEMA n.
108205/2014), até o julgamento da presente ação. Afirma a autora que a
WPR SÃO LUIS GESTAO DE PORTOS E TERMINAIS LTDA pretende implantar
terminal portuário no Distrito Industrial de São Luís, mais precisamente
na região em que hoje resta assentada a comunidade tradicional do
Cajueiro. Informa que a comunidade do Cajueiro se acha regularmente
assentada na área, pelo Estado do Maranhão, desde 1998, conforme
escritura pública condominial registrada junto ao 2º Cartório de
Registro de Imóveis de São Luís. Refere, ainda, que a região é objeto de
procedimento administrativo que visa a criação de uma reserva
extrativista (Resex Tauá-mirim). Afirma que o empreendimento do terminal
portuário se encontra em fase de aprovação de licença prévia pelo
Estado do Maranhão, por meio da SEMA. Informa, ainda, que não consta de
pedido de licenciamento perante o IBAMA, conforme documento de fl. 202.
Requer a concessão de medida liminar no sentido de que seja suspenso o
processo licenciatório para a instalação do terminal portuário, tendo em
vista os princípios da legalidade e da prevenção. Às fls. 213/217 foi
concedida, em parte, a liminar requerida contra a WPR SÃO LUÍS GESTÃO DE
PORTOS E TERMINAIS LTDA. Devidamente intimado para se manifestar em 72
horas, o Estado do Maranhão silenciou quanto ao pedido de liminar contra
si formulado. Às fls. 229/231, a autora requer a apreciação do pedido
de liminar contra o Estado do Maranhão e, na oportunidade, junta aos
autos recortes de matérias jornalísticas sobre a instabilidade na área
da comunidade do Cajueiro.
A requerida WPR SÃO LUÍS GESTÃO DE PORTOS E
TERMINAIS LTDA juntou aos autos, às fls. 233/243, cópia do recurso de
Agravo de Instrumento interposto contra a decisão de fls. 213/217. Às
fls. 245/279, a Defensoria Pública junta documentos. É o relatório.
FUNDAMENTAÇÃO
O processo cautelar, de cunho instrumental, tem o condão
de possibilitar ao titular da pretensão a tutela que resguarde o seu
direito contra eventual ofensa iminente, que possa lhe causar lesão
irremediável ou de difícil reparação, de tal sorte que o emprego de
outras formas de atividade jurisdicional provavelmente não se revelaria
eficaz, seja para impedir a consumação da ofensa, seja mesmo para
repará-la de modo satisfatório. Barbosa Moreira, explicando o caráter
urgente das medidas cautelares, acentua que não é possível investigar,
previamente, de maneira completa, a real concorrência dos pressupostos
que autorizariam o órgão judicial a dispensar ao interessado a tutela
satisfativa: ele tem de contentar-se com uma averiguação superficial e
provisória, e deve conceder a medida pleiteada desde que os resultados
dessa pesquisa lhe permitam formular um juízo de probabilidade acerca da
existência do direito alegado, a par da convicção de que, na falta do
pronto socorro, ele sofreria lesão irremediável ou de difícil reparação.
(MOREIRA, 2010, p. 309) Nesta decisão, a análise cinge-se ao pedido
formulado contra o Estado do Maranhão, vez que na decisão de fls.
213/217 foi apreciado o pedido formulado contra a WPR SÃO LUÍS GESTÃO DE
PORTOS E TERMINAIS LTDA. Encontro-me diante da seguinte situação: de um
lado uma comunidade humilde que, há quase cem anos, habita uma área
regularmente assentada, da qual retiram todo o seu sustento por meio de
trabalho digno e conservam sem modo tradicional de viver. De outro, de
forma não menos digna, mas em posições totalmente contrárias, o Estado
do Maranhão e a WPR São Luís Gestão de Portos Ltda. A lide não se
circunscreve apenas a questões atreladas ao domínio da localidade
denominada Cajueiro. Em sentido contrário, diz respeito à remoção de
dezenas de famílias de um local que há anos habitam e desenvolvem suas
atividades de subsistência. Ainda que o cerne da questão fosse a posse
do local, em uma análise liminar, assistiria razão à Defensoria Pública,
visto que ficou comprovado nos autos a regularidade do assentamento e o
justo título com registro no Cartório de Imóveis (fls. 30/31). A
requerida WPR, no bojo do recurso de Agravo, fundamentou sua pretensão
no domínio da área, fazendo alusão a um suposto título de propriedade
que aduz possuir.
Admitindo-se a existência do aludido título, a posse
da área militaria, ainda assim, em favor dos assistidos pela Defensoria
Pública, fator este que contribui, inclusive, para a manutenção da
decisão recorrida. Ademais, o deslocamento de um grande número de
famílias (750 de acordo com o Estudo de Impacto Ambiental - fl. 246) de
forma involuntária para instalação de empreendimento portuário, sem a
complementação de medidas atenuantes, pode ocasionar diversos problemas
de ordem socioeconômica, dentre os quais o empobrecimento pela perda do
patrimônio ou fonte de renda, a desagregação dos sistemas de produção,
realocação de pessoas para localidades onde sua capacidade de produção
pode ser menos utilizada, instituições comunitárias e as redes sociais
são enfraquecidas, dispersão de grupos de familiares, e a identidade
cultural, autoridade tradicional e o potencial para ajuda mútua se
perdem ou diminuem. Sob outro prisma, em matéria ambiental, dois
princípios norteiam de forma marcante a reflexão jurídica, quais sejam, o
da prevenção (preocupação com o dano provável) e o da precaução
(preocupação com o dano razoavelmente possível). Na hipótese, a tutela
cautelar pretendida se baseia justamente no princípio da precaução, pois
visa resguardar o meio ambiente de um dano possível, de larga escala,
decorrente da instalação de terminal portuário em área ocupada
regularmente por uma comunidade.
O Estado do Maranhão teve a
oportunidade de trazer informações aos autos, juntando os documentos
necessários, para contribuir na formação do juízo ora emitido, mas não o
fez, impossibilitando a análise da regularidade do procedimento de
licenciamento ambiental do empreendimento.
O procedimento de
licenciamento, conforme afirmado e comprovado pela autora (fl. 202),
tramita somente perante o órgão de licenciamento estadual, a despeito de
sua natureza (instalações portuárias no mar territorial) que,
obrigatoriamente, o submete a análise pelo IBAMA. Ademais, conforme
consta do documento de fl. 230, existem notícias de que a comunidade
afetada não fora devidamente cientificada do procedimento, o que, em
tese, macularia o licenciamento pela falta de publicidade e devida
ciência dos diretamente afetados pela instalação do empreendimento. Para
o desenvolvimento de atividades ocasionadoras de danos ambientais é
imprescindível que no procedimento que antecede o seu licenciamento haja
a participação dos afetados, ofertando-lhes a oportunidade material de
se manifestarem no processo, por exemplo, com a ocorrência de audiências
públicas em locais próximos da comunidade, a fim de não se inviabilizar
o acesso.
Em Juízo de cognição sumária, pelos motivos expostos acima,
vislumbro a fumaça do bom direito no pedido da autora. O periculum in
mora está presente, tendo em vista a instabilidade social que tem
causado toda a celeuma na área ocupada pela comunidade do Cajueiro,
conforme já assentado na decisão de fls. 213/217 e do que consta dos
documentos juntados às fls. 230/231, aliada a necessidade de resguardo
dos direitos dos afetados. No caso em apreço, tendo em vista a natureza
cautelar da medida ora deferida, não há perigo de irreversibilidade.
Assim, por medida de cautela, merece deferimento a liminar pleiteada
contra o ESTADO DO MARANHÃO, ante a presença do fumus boni iuris e do
periculum in mora. DISPOSITIVO
Diante do exposto, DEFIRO A LIMINAR
REQUERIDA contra o ESTADO DO MARANHÃO e, por conseguinte:
a) DETERMINO
que o requerido ESTADO DO MARANHÃO se abstenha de dar seguimento ao
processo licenciatório do Terminal Portuário de São Luís - WPR (Processo
SEMA n. 108205/2014), até o julgamento da presente ação.
Fixo multa
diária, em caso de descumprimento, no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil
reais).
Quanto ao recurso de Agravo de Instrumento interposto pela
requerida WPR, mantenho a decisão de fls. 213/217 por seus próprios
fundamentos, visto que os argumentos trazidos pela requerida não possuem
força suficiente para modificar o entendimento exposto na decisão
questionada.
OFICIE-SE à eminente Desa. Maria das Graças de Castro
Duarte Mendes, relatora do Agravo de Instrumento nº
9569-84.2014.8.10.0000, no intuito de prestar as devidas informações
(CPC, art. 527, IV). INTIME-SE.
CITE-SE o requerido ESTADO DO MARANHÃO
para responder a ação, no prazo de 20 dias (CPC, art. 802), indicando as
provas que pretende produzir. CUMPRA-SE. Cópia da presente decisão
servirá como mandado.
São Luís, 04 de novembro de 2014.
DOUGLAS DE MELO
MARTINS
Juiz de Direito Titular da Vara de Interesses Difusos e
Coletivos
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